domingo, 27 de maio de 2012

Auto aquisição


Ela chegou em casa eufórica com a compra de um par de sapatos novos. Correu até o gurada-roupa e testou a nova aquisição com várias peças diferentes. Era perfeito! Usaria em várias situações e era de causar inveja.
                Naquela mesma noite estreou a belezura. Após desfilar com seus lindos sapatos pra lá e pra cá, comentar com as amigas o quão caro pagou por eles, voltou pra casa, tirou-os com cuidado e guardou o par de si mesma em uma caixa. Sentiu-se nua, e chorou.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Criança tem cada ideia!


- Mamãe, mamãe! A gente pode ir pra fazenda?
- Mas que fazenda, meu filho? Não conhecemos ninguém que tem fazenda.
- Mas o Gustavo que mora na outra quadra vai! Ele disse que lá existem cavalos, que tem árvore grande do tamaaaaaanho do mundo.
- Filho, o seu pai não tem fazenda.
- Mais por que o pai do Gustavo tem?
- É que ele trabalhou bastante, aí juntou muito dinheiro e depois comprou.
- Mamãe, pede pro papai comprar uma fazenda?!
- O papai não tem dinheiro.
- Ué, mas o papai trabalha!
A mãe já ia ficando irritada com as perguntas do filho de quase 5 anos e preocupada porque o marido estava demorando para chegar do trabalho. Estava ansiosa para saber como tinha sido o primeiro dia no cargo de supervisor de linha de produção. Mas o menino não deu trégua:
- Mamãããe! O papai trabalha e ganha dinheiro, então fala pra ele fazer igual ao papai do Gustavo: pegar o dinheiro e comprar uma fazenda.
- Filho, o dinheiro que o seu pai ganha mal dá para pagar as prestações da casa. Presta atenção: O seu pai ganha menos dinheiro que o pai do Gustavo. Por isso não pode comprar uma fazenda.
- Ah, entendi! Então o papai trabalha menos que o pai do Gustavo.
- Não, meu filho! O seu pai trabalha mais, muito mais.
O menino estava confuso! Adulto tinha cada ideia! Mas continuou com as perguntas, porque queria ir para a fazenda:
- Ué, mamãe! Então se o papai trabalha mais, ele tem que ter mais dinheiro que o pai do Gustavo.
- É que o trabalho do pai do Gustavo é muito, muito importante! Por isso ganha mais dinheiro.
- Nossa!!!
- O que é, menino?!
- Então o trabalho do papai não é importante, por isso não pode ter uma fazenda!
          A mãe não sabia como explicar ou convencer o filho, então resolveu inventar uma desculpa:
- Sabe o que é: não existem fazendas para serem vendidas. É muito, mas muito difícil conseguir uma!
- Por quê?
- Porque os donos não querem vender.
- Mas de quem os donos compraram as fazendas?
- De outros donos, que diferente dos donos de agora, queriam vender.
- E antes dos outros donos?
- Não sei, meu filho!
- Eu sei. Era tudo de Deus!
- De Deus?
- É, mamãe! A vovó me disse que Deus criou o mundo e que ele era dono de tudo, tudo.
- É isso mesmo! Está vendo como você é inteligente!
- Só não entendi uma coisa, mamãe...
           A mãe já estava completamente sem paciência com aquela conversa e respondeu em tom alterado:
- O que é moleque?
- Por que Deus resolveu vender o mundo?
- Como?!
- É, mamãe. Porque se um dono comprou de outro dono, então alguém comprou de Deus, que foi o primeiro dono. Já sei! Vou rezar bastante e pedir dinheiro pra Deus! Afinal, ele ganhou muito dinheiro vendendo tanta terra! Depois eu dou tudinho pro papai comprar uma fazenda.
            Naquela noite o menino ficou de castigo e levou severas broncas para que parasse de ter aquelas ideias.

Revelando codinomes

Não queria estragar a brincadeirinha dos codinomes, mas preciso compartilhar o texto escrito pelo meu amigo e incentivador Guilherme Duran. Segue o link:

Queria ser intelectual

Ela sentiu uma coisa inexplicável quando ouviu aquela mulher culta falando coisas tão lindas e profundas num programa de TV. Na verdade, ela não entendia muito do que as pessoas diziam naquele programa semanal, mas percebia que era diferente da programação que passa todos os dias em todos os canais.
Ficava extasiada com a possibilidade de um dia conversar sobre assuntos tão interessantes, complexos e profundos.  A cada fim de semana era um convidado diferente. Sempre gente com formação muito específica, muito profunda: doutores, mestres e pensadores. Uma vez ouviu um distinto estudioso falar sobre inconsciente, outra vez uma professora fez observações sobre comportamento sexual nas redes sociais. E ainda teve aquele ator de teatro, que disse coisas bonitas sobre a expressão artística.  E agora aquela mulher, uma doutora em história da arte! Ela tinha uns óculos bonitos, gesticulava de uma forma envolvente. Não dava para entender muito bem o que ela dizia, mas que as palavras eram bonitas, ah, isso eram! As pessoas da plateia anotavam tudo com muito entusiasmo. Havia uma taça de vinho sobre a mesa onde ficavam as anotações da convidada. Embora ela não tivesse levado a taça até a boca nenhuma vez, aquilo era muito bonito, muito elegante! A mulher do programa de TV tinha mais ou menos a sua idade. Mais bem vestida e mais magra, mas a idade era próxima. Talvez 45 anos.
Então ela decidiu que se tornaria uma pessoa que sabe falar coisas bonitas e interessantes. Mas como, se ela não conhecia o que estava escrito nos livros e nem aquelas palavras de dicionário?! Já sabia! Ela iria estudar todas as noites, a partir daquela. Começaria a ler livros, a conversar com aquelas pessoas que costumava ver num café perto da universidade por onde passava todos os dias quando ia para o trabalho. Estava decidido! Seria como a mulher do programa de TV!
Na manhã seguinte acordou cedo e foi para o trabalho. Às sete e meia da manhã estava empacotando frangos no abatedouro. Durante o almoço já sentia cansaço, mas voltou ao trabalho empolgada, porque no fim da tarde tudo começaria. Passou em frente a um “sebo”, desses que vendem livros usados. Não sabia qual comprar: Astrologia, poesia, filosofia. Tinha que ser um baratinho. Melhor não! Os cinco reais que tinha deveriam ser usados para comprar pão e leite para o café da manhã da família do dia seguinte. Foi embora. Ao chegar em casa preparou o jantar, passou as roupas acumuladas e deu um pouco de atenção ao filho de sete anos que estava gripado.  Já passava das onze e meia, e, com muita dor nas costas, foi para a cama. No dia seguinte pensou:
- Quando sair do trabalho tentarei falar com aquelas pessoas da cafeteria! Posso falar das eleições presidenciais! Mas desistiu ao chegar à porta da cafeteria e perceber que estava com cheiro de frango. Além do mais, não sabia a diferença entre partidos políticos. Só sabia que as letrinhas de um e de outro eram diferentes. Então foi para casa, fez o jantar, lavou as roupas e passou um pano no chão. Já passava da meia noite. Ela se lembrou dos frangos que empacotaria no dia seguinte... e adormeceu.

É tempo de começar

Parece que hoje existem dois tipos de pessoas: as que têm um blog e as que não têm. Não importa muito se o que se tem a dizer é ou não relevante. Aliás, corrijo-me, sempre é relevante, porque sempre haverá relevância para alguém e irrelevância para outros... então é sempre relevante e irrelevante. Acho isso ótimo, porque as pessoas têm, enfim, um espaço no qual podem publicar o que pensam, o que sentem, sem terem de pagar algo a alguém. Por outro lado, elas se expõem. Há também dois tipos de pessoas que se expõem: As que não têm juízo e as que têm algo a dizer. Eu acho que me encaixo nas duas opções. Tenho pouco juízo e tenho um pouco para dizer. Na verdade, acho que tenho muito mais a dizer para mim do que aos outros. O fato é que penso muito e em muitas coisas, e nunca paro para organizar o que penso e o que sinto. Acho que o blog representa uma possibilidade de isso acontecer. Se alguém lerá ou não, isso eu não sei. Mas a possibilidade de alguém acessar minhas (in)sanidades faz com que eu tenha mais cuidado com as minhas ideias. Cuidado que não tenho quando não preciso contar para alguém. Então isto aqui é um exercício individual, e, quem sabe, em alguma ocasião, coletivo. Na verdade, já começou como um exercício coletivo. Obrigada Guilherme Duran e Samilo Takara por me encorajarem!